sábado, 28 de novembro de 2009

Quatro vidas abandonadas

Antônio Almeida


Manhã de sábado. De fato não consegui dormir direito talvez pela responsabilidade de estar 8:00 da manhã em ponto na faculdade Dois de Julho. Para não perder tempo fui de carro faltando aproximadamente uns dez minutos para chegar e para meu espanto, poderia dizer, um grande espanto, quatro dos meus colegas já me aguardavam. Estavam lá João, Kleonice e Marta. Esperamos um pouco mais para o resto do pessoal chegar e logo depois, de aproximadamente uns quinze minutos, fomos em busca do nosso destino e entramos cada um em um carro. A partir dos bastidores, tive que chamar o pessoal da Ótica pois eles não tinham visto o carro passar. Corro em direção ao carro enquanto minha colega espera mais á frente quase do lado da faculdade...

Após cerca de 15 minutos chegamos no local e logo á frente havia um galpão imenso que eu não tive oportunidade de entrar para poder descrever. Enquanto iriamos começar o trabalho nossa colega Rosângela filmava tudo para posteriormente editar o vídeo. Enfim o nosso destino estava bem perto, poderia dizer que do lado se encontrava a Estação da Leste, no bairro da Calçada, uma espécie de ocupação de Sem Tetos que moram em condição bastante precária.

Uma das cooperadas disse que os carros não poderiam ser estacionados naquele local, por isso seguimos mais adiante onde enfim iriamos traçar o percurso para começar o trabalho comunitário da matéria de Filosofia da Faculdade Dois de Julho. Logo ao chegar bem próximo do lugar, um outro galpão, o sol estava bem quente. Araci, nossa colega, estava com uma roupa preta e o pessoal da Ótica também o que tornava a situação deles mais difícil que a minha já que eu estava de verde.

Seguimos e tive a primeira visão do que era realmente o local. As residências existiam dentro de um galpão enorme e lateralmente barracos feitos de madeira ,bastante frágeis, cercavam aquele lugar. Ali, diversas famílias moram agarradas umas com as outras em cubículos extremamente pequenos. Em alguns lugares havia mijo espalhado no chão. Eu, apesar de quieto, sou muito observador e não pude deixar de ver o detalhe de algumas daquelas moradias. Em uma delas havia apenas um sofá, com uma televisão. É possível perceber que em alguns cômodos estava escrito com caneta frases como “Geladinho R$0,50” “Doce de tamarino 1,00” “Enroladinho e suco R$1,50” “Quiboa R$1,00”. Fantástico perceber, que mesmo morando em condições sub-humanas, o comércio informal existe entre eles. A placa que mais me chamou a atenção foi a do doce de tamarino, já que a porta estava trancada. Poderia ter perguntando porque e onde estava a dona da residência.

Seguindo mais adiante haviam cadeiras velhas no fim do galpão, arrumadas em fileira para uma palestra que iria acontecer mais tarde. Nosso colega Antônio Pitta tentava instalar o retro projetor porém ele quase queimou já que a voltagem no lugar era de 220 volts felizmente tudo foi resolvido em seguida com um estabilizador.

Enquanto isso, mais pessoas estavam chegando e então resolvemos ir entregando as doações. Enquanto que nas primeiras vezes tivemos que trazer de mão, logo depois, alguém encontrou um carrinho , daqueles que carrega todo tipo de material reciclável, por isso ficou muito mais fácil. Me surpreendeu bastante o empenho dos estudantes do curso direito Faculdade Maurício de Nassau. Eles trouxeram cerca de três carros abarrotados de doações. Tinha livros de todo o tipo, roupas, sapatos, cintos... Sempre tive uma imagem negativa dessas faculdades desconhecidas mas, começo a perceber que nós só podemos criticar aquilo que conhecemos e mais tarde iria me surpreender mais ainda.

Voltando a falar sobre o local, a nossa colega Valmeire, a essa altura, já estava pronta para trabalhar e ela teria que se transformar para isso por isso a pintura e a maquiagem foram imprescindíveis para ela. Nunca imaginei que Valmeire fosse se vestir de palhaço e de fato isso aconteceu. É impressionante trabalhar com crianças e ver que a inocência, estampada no rosto desses meninos, mostra que existe esperança e a mudança se torna muito mais difícil na fase adulta mas, ainda não era isso que iria me surpreender.

Olhei para o chão e jamais iria imaginar que uma cena tão forte sairia não de seres humanos mais de animais. Quatro vidas abandonadas. As crianças cuidavam de filhotes de gatinhos que haviam perdido a mãe e muito provavelmente não devem ter sobrevivido. Seria hipócrita falar de animais com todas aquelas pessoas passando por dificuldades mas, é fato que isso representa um quadro estatístico bastante triste. Um dos filhotes se distorcia de fome e se abraçava junto ao outro na esperança de se esquentar com certeza para tentar diminuir a fome que o estava matando.

A vida sobre um lençol velho e sujo, uma vida que claro não teria nenhum valor, porque a vida do ser humano ali também não tem valor. O pouco dinheiro que é ganho é para a sobrevivência do homem. Uma lata de leite no supermercado custa em torno de R$9,00 e sei, com razão, da dificuldade que é alimentar as crianças. Imagine os gatos? e o filhote dos gatos? Poucos gatos conseguem sobreviver com dificuldade e filhotes morrem se não tiverem a mãe para os alimentar “A mãe dela fugiu”, disse a menina. Porém, eu ainda me surpreenderia muito mais.

Enquanto as crianças inocentes brincavam com a palhaça Val, a palestra já estava começando a a acontecer. Não acompanhei todo o teor dela mas, uma das estudantes da Faculdade Maurício de Nassau realmente foi muito feliz na sua abordagem e a maneira de orar. O tema era violência contra a mulher mas, a estudante a qual não sei o nome, deu um enfoque diferente a palestra que acontecia em um telão improvisado com um lençol. “Violência contra o homem”. A estudante sempre teve cuidado de que quando mostrava que a mulher teria direitos o homem também teria. De fato é extremamente hipócrita realmente citar apenas a violência contra a mulher e o homem também não é atingido por essa violência? Tudo bem, que os números mostram que não há tantos casos assim mas, temos que nos lembrar que tanto o homem como a mulher são sujeitos iguais e ambos tem os mesmos direitos perante a lei mas, a surpresa estava para o final do trabalho.

Foi surpreendente perceber o empenho de meus colegas, nesse trabalho, mesmo sabendo que depois disso a vida continuará seguindo seu rumo e ninguém irá ser hipócrita de dizer que vamos todas as semanas ajudar as pessoas da Estação da Leste. Taís e João estavam reunindo dinheiro para comprar um carrinho de mão para uma cooperada por conta própria. Isso não faz de ninguém a melhor pessoa do mundo mas, é com pequenas ações que nascem grandes pessoas.

Tem uma frase que me disseram ,há muito tempo atrás, sobre grandes pessoas de alguém que resolveu parar de manter contato comigo porque achou que estava vivendo um grande sonho. “Com grandes pessoas se constrói pequenos sonhos mas, logo depois descobre-se que grandes eram os sonhos e pequenas eram as pessoas”. Não existem pessoas grandes, na maioria das vezes, sonhamos que elas são algo que depois mostra ser o contrário. A minha doação foi um saco com cerca de 15 roupas. Poderia ser um saco de feijão, dez sacos de arroz. Não importa. A ação existindo já é algo grandioso.

Por fim, no final da palestra, nossa professora Ivana Carneiro apareceu, tiramos algumas fotos e logo depois cada um seguiu o seu caminho e provavelmente continuará seguindo porque a vida é feita assim. Peguei um ônibus, fui para casa e agora estou escrevendo esse texto acreditando que pequenas pessoas podem ter grandes atitudes em prol do ser humano se resolverem seguir aquilo que elas são. Alguns são melhores em dar conselhos, outros em doações, outros em trazer esperança para as crianças se vestindo de palhaço, há aqueles que tem o poder da oratória e há até os que preferem não ajudar em nada e quem sabe resolveram ir a praia tomar uma cerveja, ao invés de ir fazer o trabalho.

Entendendo a realidade de filhotes de animais abandonados, em um lugar que os próprios seres humanos estão abandonados, aprendemos o quanto a vida pode ser cruel e injusta.

9 comentários:

  1. Olá Antonio,
    Parabéns por este trabalho!!! Toda força p fazer valer o exercício da cidadania é válida!!!
    abs
    suzane!!
    ah, o seu blog tá bem punk!!
    gostei da sacada!!!

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  2. meu objetivo era fazer algo diferente do trivial, primeiramente veio na minha cabeça apenas fazer resenhas de filmes de suspense mais eu começei a notar que isso não tinha profundidade embora, estas resenhas devam continuar então to explorando bastante o jornalismo gonzo do hunter thompson. sempre gostei dessa forma de escrever e acho que ela enriquece o texto quando não se prende a padrões pra lá de superados. continuo achando que os blogs deveriam ser mais levados a sério como conteúdo de informação.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Olá Antonio, surpreendente seu blog, gosto da ligação que você faz entre os filmes e a vida real, mas adorei sua narrativa sobre nosso dia de sábado e toda aquela experiência com as pessoas na Leste. O que aconteceu lá, está aí relatado, parabéns, Joelia

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  5. obrigado Joélia. Realmente to levando muito a sério essa idéia de continuar com esse blog. No começo do ano tentei fazer um sobre política mas, só agora conseguir encontrar meu verdadeiro eu que é o jornalismo literário mesmo. Não adianta eu escrever sobre algo que eu não domino.

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  6. Que legal essa ligação do mundo fictício com o real!

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  7. os filmes de certa forma pode sim se transformar em vida real, depende da situação. legal o seu blog.

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  8. Olá Antonio!!!
    Interessante esse Blog ...boa sorte esperamos mais surpresas...
    ENTRA LÁ NO MEU BLOG E CONFIRA A ARTE DE VIVER NESTE PAÍS !!!
    Boa Sorte ...

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