quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Reflexão: Os números mentem

Vamos fazer um exercício jornalístico. De acordo com reportagens da internet podem ter morrido cerca de 100 mil pessoas no Haiti. O que eu quero é que vocês percebam duas coisas.

1ª Se tivesse acontecido o mesmo terremoto e tivessem morrido no Haiti dez mil pessoas com certeza não saberiamos sequer dessa tragédia. Para o Haiti ter algum destaque como notícia o número de mortes teve que ser absurdamente alto e mesmo com esse número nas próximas semanas a tendência é que a notícia suma aos poucos e lentamente. Estamos falando de um país pobre, com pouca representatividade, logo embora possam ter morrido 100 mil pessoas ou mais a notícia em poucas semanas infelizmente perderá o destaque. Eu vou tornar a repetir essa mesma postagem daqui há uma semana para tentar mostrar como isso é possível Infelizmente é assim.

2ª Tratando-se de um fenómeno da natureza o destaque da notícia infelizmente perde força. Diga-se que não foi a natureza que matou! Se fosse um exército fuzilando apenas 100 pessoas em plena luz do dia a notícia ganharia outro destaque como se a morte de 100 mil pessoas não fosse relevante.

3ª Se tivesse acontecido esse mesmo terremoto nos Estados Unidos, em Nova York e tivesse morrido uma autoridade com certeza a abordagem não seria igual. Os jornais transformam as pessoas em números independente de quantas tenham morrido e transformam os números em pessoas se estas forem importantes.

4ª Trecho da matéria da globo.com “Informação foi dada pelo primeiro-ministro em entrevista à CNN.Tremor devastou a capital, Porto Príncipe, e matou 12 brasileiros.”.

Porque 12 brasileiros tem mais valor que 100 mil pessoas ? Mesmo que a notícia seja local 100 mil é um número muito forte para que se coloque 12 brasileiros em destaque. E as famílias? E as vidas perdidas? Não há nenhum tipo de humanização nessas matérias.

5ª Uma outra dificuldade refere-se a disponibilidade de profissionais para ir a esses lugares por isso a grande maioria das matérias são enviadas de agências de notícias o que dificulta ainda mais que algo possa ser fortemente mudado.

Falta muito para nossa imprensa evoluir infelizmente...

sábado, 2 de janeiro de 2010

Reflexão: PARTE II

MOCINHO OU VILÃO? NEM UM NEM OUTRO.

* Antônio Almeida

Nessa postagem iremos aprender a desconstruir personagens bons e ruins. Na primeira reflexão vocês viram que a policial Anna mata o serial killer Alfredo. Aparentemente ela, na cena, é uma policial indefesa que pode ter cometido o crime por impulso ou em legítima defesa porém, não é o que o final do filme mostrará no trecho abaixo. Após matar o seu algoz, Anna comete diversos outros crimes matando pessoas inocentes como seu namorado Marie, seu médico e o policial que a ajudava e isso teoricamente a coloca também como um personagem ruim ou até pior que o serial killer. E agora? Anna é a heroína que apenas se defendeu ou também se tornou uma assassina?.

O meu objetivo ao colocar a primeira postagem separada da segunda era mostrar o quanto é difícil, na maioria das vezes, sabermos, em tramas de ficção, quais são os personagens bons ou ruins, principalmente se isso não for explicitado propositalmente.

Caso o autor do filme tivesse tido a idéia de colocar Anna realmente como uma policial que apenas se defendeu de um psicopata lunático ou até mesmo eu não revelasse o resto do filme vocês jamais teriam uma noção clara de quem eram os personagens bons e ruins mesmo sabendo que Anna também cometeu um crime, afinal ela matou um suspeito que já não tinha condições de se defender. Ela iria ser sempre a policial boazinha indefesa que lutou bravamente contra o vilão cruel.

Quase sempre, principalmente nos gêneros de aventura, ação ou suspense ou há o personagem que é o herói bonzinho ou o vilão cruel. Dificilmente acontece de se misturar as coisas, exceto nos gêneros de drama que, em algumas vezes, há misturas de personalidade sim. Vocês lembram dos filmes de Arnold Schwarzenegger? Alguém teve coragem de contestar se aquele personagem que sempre carregava uma arma, mesmo em prol de defender a humanidade, não poderia ser também um vilão e estar incitando a violência?


NÃO CONFIE EM MOCINHOS E VILÕES!


As inversões de dualidade podem acontecer tanto transformando o personagem que não é totalmente ruim em um cruel vilão como o assassino sanguinário em um mocinho não tão ruim como parece. No filme Hitman, por exemplo, o personagem é um assassino que mata diversas pessoas mais é enquadrado como o herói da história. Em Bangcock Dangerous o personagem principal é um assassino vendedor de drogas que é transformado em mocinho. Já em quase todos os filmes de suspense o vilão da história é somente mal, cruel e perverso ao extremo. Mais será que é mesmo? Na postagem do mês passado http://resenhamacabra.blogspot.com/2009/11/reflexao-sobre-imagem.html desafiei vocês a refletirem a cerca das ações do personagem Jason, considerado um dos mais cruéis do cinema mundial. Não seria ao invés de um cruel serial killer um doente psicopata? Por motivos óbvios o filme jamais mostraria esse lado.

Para tentar explicar, da maneira mais clara possível, como isso acontece pode-se inclusive recorrer a televisão brasileira. Um dos mais recentes tipos de exemplo de como se pode inverter a ordem das personalidades para persuadir o telespectador está na novela “Poder Paralelo” da Rede Record. Tecnicamente o telespectador tem como impressão que o mafioso Tony Castellamare é o mocinho da história e que o traficante Bruno Villar é o bandido acontece que Tony também é um mafioso e participa de um grupo criminoso como Bruno.

A diferença é que na novela só é mostrado ao telespectador as qualidades boas do Tony isolando o seu lado mal, o transformando em um “super herói”. É notável que para manter o status de riqueza o seu dinheiro vem de atos ilícitos, mesmo que isso não seja mostrado na novela. Quando o personagem Tony se junta a criminosos, de acordo com o código penal, ele poderia ser preso por associação ao crime, mesmo que não estivesse cometendo nenhum tipo de crueldade, ou, ao carregar uma arma ele também está cometendo um crime já que não tem porte. Já o lado ruim do Bruno Villar é escancarado como vendedor de drogas, manipulador e violento escondendo totalmente qualquer resquício de seu lado bom.

Será mesmo verdade? Embora os outros personagens também cometam crimes, a novela sempre vai passar a impressão de que estes por serem bons estão sempre corretos, maquiando com certeza qualquer qualidade negativa deles e quanto aos carrascos estes só cometem crueldades.


ENTENDA COMO FUNCIONA O TRUQUE


Sabe-se que esse truque é propiciado por uma técnica do jornalismo chamada de enquadramento. Toda vez que um filme, novela ou seja lá o que for quiser transformar um personagem em bom ou mal quase sempre ele irá esconder todas as qualidades boas ou ruins mostrando apenas um dos lados causando uma dualidade proposital. EX: arrogante, violento e ganancioso ou bom, calmo, inteligente, vaidoso etc...

Agora toda vez que vocês virem algo parecido com isso procurem sempre se contestar qual a verdadeira personalidade justa para ser atribuida ao personagem porque ele pode estar escancaradamente sendo manipulado para ser bom ou mal. Ao fazer isso fica fácil ter conclusões bem interessantes que propositalmente nunca aparecerão na história. Tecnicamente, fora da ficção, é sabido que não existe ninguém apenas bom ou ruim. Lembremos que a técnica de enquadramento não é só utilizada em casos de ficção mais aí já é uma discussão para outro post.

Prometo que essa discussão seguirá adiante.

* Antônio Almeida atualmente cursa jornalismo na Faculdade Dois de Julho no 6ª semestre